Pular para o conteúdo principal

Aparição II

Foi o que perguntou assim que ficaram a sós, enquanto Victor aguardava a alguns passos de distância, próximo ao meio fio, o carro de seu pai que vinha buscá-los. O rapaz respondeu que não havia mistério algum, Blue escutou o endereço quando Ella instruiu o motorista de taxí.Realmente não havia mistério, a não ser o fato do homem esquilo, ser uma espécie de espião e ter como nome uma cor e não ter o nome de um bicho. De qualquer forma, não seria indiscreta o bastante para averiguar a origem do cognome do homem azul e isso não era relevante, como diria Victor. Estranhou o comportamento do amigo ao ser apresentado a Vicente, ele que no início pareceu tão desconfiado em relação àquele grupo. Era bem provável que não soubesse de quem se tratava. Resolveu deixar as coisas como estavam, talvez tudo fosse excesso de sua imaginação. Ella mudou de idéia quando Vicente começou a aparecer em todos os lugares em que estava. A segunda vez foi na saída da escola. Deixou que a acompanhasse até em casa. Uma outra vez no supermercado e assim passou a vê-lo todos os dias. Sentia-se vigiada, como se tivesse perdido a liberdade e ao mesmo tempo não conseguia recusar os convites que ele fazia. No dia em que foi no seu apartamento, num bairro pobre próximo a área portuária, soube que não tinha pais. Fora criado num orfanato. Os amigos também, alguns tinham sido criados por famílias que os adotaram, outros por instituições. O que os aproximara foi essa falta de referência materna e paterna verdadeira. Vicente lembrou da vez em que Ella falara dos pais e ele respondera que tiveram pais cuidadosos também. Talvez tivessem sido se suas histórias fossem diferentes. Ella ficou embaraçada, não sabia o que dizer nessas situações em que tragédias eram reveladas. Ficou quieta olhando para a parede sem pintura da sala do apartamento pequeno e quase sem mobília. Tudo parecia resolvido, havia certo constrangimento no ar, eles eram apenas jovens órfãos esquisitos. Até que Vicente começasse a rir e dissesse que era tudo mentira.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Bromas       Naquela manhã os meninos resolveram trancar as meninas dentro da sala de aula, para isso,  enviaram os nerds  à sala da coordenação de disciplina para pegar uma cópia da chave no armário.  Atraíram elas mostrando um vídeo no telefone de Cássio. Ele disse que dera uns amassos na Brenda, a menina mais popular da sala, atrás do prédio do laboratório de ciências. Quando todas estavam agrupadas para ver o vídeo falso, eles saíram e trancaram a porta.  Correram para fora da sala, carregando a sensação de vitória. Enquanto riam do que haviam aprontado, o estrondo tomou conta de todo o andar abaixo  e o fogo foi ocupando todos os cantos inflamáveis. Os meninos viraram urdidura no meio da destruição. As meninas, antes, entretidas procurando no telefone as imagens, correram  para a porta quando ouviram o barulho, não conseguiram abri-la. Foram para as janelas e viram o fogo escalando as paredes. Não tinham ideia de que o prédio estava quase todo destruído, ficaram só uma sala n

Ratoeiras

                                                                                                                                                                                                                           Malaquias desce apressado a alameda. Está decidido, não irá repetir mais o erro cometido em tantos anos. Pela última vez informará a Joel sua resolução. Este dirá tratar-se de uma situação sem saída, mas não o impedirá. Haviam perdido o controle das coisas, a desestruturação fazia parte do cotidiano.      Tudo começou com o aumento populacional, incentivado pelo mito da existência de muitas áreas desabitadas. Em poucos anos as fronteiras foram derrubadas e institui-se o estado de guerrilha. Nas cidades decadentes, os bandos urbanos disputavam espaços para praticar jogos de extermínio. Os donos dos antigos oligopólios e os ditadores das regras sociais construíram o último ônibus espacial. Zarparam nele. Os apenas influentes, feudalizaram-se em propriedades ca

Ensaio sobre um lugar

       Bairro com ruas arborizadas e enorme população canina, talvez com igual índice da felina, mas os gatos se expõem menos, não saindo com os seus donos para passear. Sobrados antigos se impondo no meio das construções novas e frágeis. Nos bares, estudantes e aspirantes a artista. Nas ruas mais antigas, na parte mais baixa da cidade, persistem os templos nos quais são realizados os rituais da época do neolítico. O som dos tambores reverbera nos pequenos becos. Museus enterrados debaixo de passeios revestidos, além da construção em estilo colonial português pertencente a uma antiga chácara. Junkies, mendigos e catadores de lixo reciclável se misturam aos passantes. Relatos de autobiografias em mesas dispostas no espaço das calçadas ensolaradas protegidas por lona de plástico colorida, motivados por copos gelados de cerveja pedida no bar próximo a esquina da rua que homenageia um fato histórico. Em cada narrativa há um pedaço de ficção, mas existe liberdade para isso e cada u