Amanhece, é início de outono, mas as noites ainda estão quentes. Os dias chuvosos deixam de legado uma umidade pegajosa. Atrás do cipreste, a lua desapareceu e o dia se apresenta mais uma vez nublado. O centro da cidade está deserto. É domingo. Seis horas. Em uma hora o sino da catedral soará avisando da primeira missa. Perséfone observa da janela do apartamento a praça com alguns vagabundos adormecidos nos bancos e a silueta do prédio da igreja. Puxa a cortina para manter a luminosidade fora do quarto. Estivera naquela noite em três lugares e conhecera duas pessoas. Syd e Bonnie. Ela ficou ligada a eles por uma estranha intimidade. Agora sente-se enfraquecida. Está no estágio posterior ao da fome mobilizadora. Não tem forças para se alimentar. Precisa dormir.
Syd colocou a calça preta surrada e olhou-se no espelho do banheiro confiante de sua bela aparência. Sempre se dava bem quando saia para a caça. Alto, cabelos tingidos num tom ferrugem, picotados. Os olhos eram acinzentados e vasculhadores. Era noite de sábado, preparava-se para dar uma volta pelas danceterias da cidade, como fizera na sexta-feira. Estava a procura de um determinado tipo de pessoa e sabia aonde encontrá-las. Faltavam alguns minutos para as onze da noite e Syd começou a sentir-se fraco, a pressão baixou e as mãos gelaram. Precisava sair rápido. Olhou em volta, as paredes do apartamento giravam. Sentou-se na poltrona. Levantou-se a atravessou a sala indo em direção a cozinha asséptica. Abriu a geladeira quase vazia, pegou a garrafa de água e tomou no gargalo um grande gole. Não sentiu-se melhor. Algo corroia o seu estômago. Resolveu sentar e esperar o sintoma passar, sempre passava.
Bonnie abriu a agenda na letra PE. Olhou para o primeiro nome da lista e ligou para Paulo. O telefone tocou e ninguém atendeu. Voltou ao caderninho e passou o dedo no segundo nome e ligou para Patrícia que era o terceiro. Ela atendeu e disse estar saindo para a inauguração de uma danceteria , achava que seria a nova atração da cidade, porque a decoração era toda baseada em cenários de filme de terror. Ficava numa velha casa situada no bairro mais antigo. Bonnie anotou o endereço. Passaria lá antes da meia-noite.
A temperatura estava muito alta para a estação, primavera tórrida, sensação térmica de quarenta e sete graus. A bolha de calor se formara devido ao fortalecimento do ar seco na atmosfera, caprichos do El niño. A poluição exigia esforço para respirar. Os olhos lacrimejavam e o nariz ardia. A população da grande cidade já sofria as conseqüências do número excessivo de veículos nas ruas. A mobilidade era o problema e o rodízio dos carros nas avenidas a solução provisória. A calamidade era iminente, faltava água, há meses não chovia. Até para aqueles que viviam nos subterrâneos da cidade a seca estava afetando suas vidas e seu habitat já sofria modificações. A secura já invadia os cantos escondidos pela escuridão. Quando saiam à noite para caçar, o bafo quente aderia suas peles sensíveis e a fumaça no ar, tornava o cenário ideal para aqu...
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