A casa calada
Depois
de um ano vivendo ali, a mulher percebera que havia sentimentos escondidos
atrás da pintura das paredes. Os arranjos de rosas artificiais e o quadro com
as begonhas murchas deixados pela outra mulher não foram suficientes para
convencê-la da existência de tanto pesar amordaçado. Quando ela chorava sem
saber o motivo achava que eram as suas agruras não identificadas.
Um dia soube que a casa sangrava de dor,
que lamentava uma perda e tornava infelizes seus novos moradores. Viu o
vermelho sangue borrando a tinta pastel da parede da sala e que as flores
presentes no ambiente poderiam servir para um lindo arranjo fúnebre. Estavam
mortas.
Restava saber quanto tempo os sobreviventes
conseguiriam viver nela. O homem e a mulher sensitiva. Ela começara a conhecer
a casa silenciosa, ali não havia estalidos noturnos. Não sabia o tipo de
conexão que tinham, sentia o passado daquele lugar, as mágoas vividas pela
outra, apertavam o seu peito. O medo lhe acometia em horas inesperadas do dia
ou da noite quando acordava molhada de suor. Olhava ao redor as paredes
escondidas na penumbra e tudo se mostrava sem culpa, então rezava por ela e a
casa. O lugar a absorvia e dividia com ela sua melancolia e a mulher foi se
acomodando com a situação. No início se agitara, acendera incensos perfumados,
colocara música na vitrola para impregná-la de felicidade. Com o tempo foi
aprendendo a condição da casa.
Havia muitas palavras e sentimentos
vivos presos nas paredes, tetos e chão. Eram oportunistas esperavam pelas
insatisfações diárias trazidas pelos habitantes do lugar, para como adesivos,
colarem em seus corpos desprovidos e ficarem lá, até serem vistos, se não, iam
formando carapaças muito resistentes em vários pontos vitais, sugando a energia
rapidamente.
Nas noites em que acordava assustada,
molhada de suor, no cenário inocente, pensava se a casa já sabia dos seus
sentimentos e se os transmitiria para a próxima mulher que moraria nela.
Comentários
Postar um comentário