Adoradores de túmulos

Felippa era bela como uma pintura renascentista, a pele alva como a das mulheres contadas nas noites da taverna, o cabelo pintado de preto azulado e a boca no tom nude. Não valorizava só a estética, a superficialidade das coisas e pessoas, preferia a intenção, o conteúdo. Tirava notas altas de forma protocolar. Achava os professores desinteressantes. Gostava das noites de lua minguante, de andar pelas calçadas desertas e da reação que provocava em algum transeunte solitário tarde da noite. Conheceu Maria quando resolveu uma noite pular o muro do cemitério, viu a outra tentando ler as inscrições de uma lápide, pensou que fosse uma aparição e ficou feliz por finalmente ver uma. A decepção veio quando Maria sem jeito se desculpou achando que estava olhando o túmulo de algum familiar da outra. Quando o mal entendido se desfez perceberam sua afinidade, sem marcar encontros, passaram a se ver, depois de longas conversas sobre escritores, começaram a levar os livros, depois as velas para poderem enxergar os textos que liam para os mortos e a lua. Uma noite encontraram Byron, Ricardo, Lúcio e Beatriz. Estavam fazendo um sarau. Havia uma toalha estendida numa das construções planas do lugar, com frutas, pão,Queijo e vinho. Convidaram as duas para participar e assim começou a amizade. Se alguém não soubesse dessa história, diria que eles se conheciam há muito tempo, porque combinavam, eram amigos de outras épocas. Byron era o mais revoltado dos quatro personagens encontrados, falava de forma irônica, num tom acido e não tinha paciência com equívocos, incertezas, mesmo que estivesse errado, afirmava com veemência e em voz alta, quase amedrontadora. Ele usava roupas do século XVIII, além da calça e capa pretos, vestia a camisa branca e o colete bordado como um fino brocado. Ricardo e Lúcio pareciam simpatizar com a década de setenta vestiam jeans rasgados e camisetas escuras, eram afáveis de modos diferentes. Beatriz era misteriosa, falava pouco, observava muito, mas seus olhos sempre diziam tudo. Os cabelos lustrosos como crina de cavalo e a pele num matiz marrom escuro, parecia uma indígena lendária, vestida à la Joplin.
Fellipa e Maria sentaram-se no chão junto
aos outros e serviram-se das comidas da mesa improvisada, tomaram o vinho
saboroso e sentiram-se em casa. Sabiam que aquele modo de viver não era uma
fase de suas existências, continuariam estranhos na velhice se vivessem até lá.
Sofriam do mesmo mal, a melancolia, que
é a necessidade que o espírito tem de se libertar do corpo que o mantém
prisioneiro. Deixariam aquele corpo mais de uma vez e vestiriam outros, em
moldes folgados ou justos. Era condição do ser.
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