Reveses
O mais velho apanhava e não reagia, usava
os braços como escudo, o mais novo e mais forte batia sem demonstrar remorso.
Os transeuntes paravam para olhar, os motoristas de táxi faziam uma espécie de torcida organizada, se
animavam e quase apostaram quando o mais velho pegou uma pedra para atirar no
outro. Na rua estreita do centro da cidade, existiam garagens e terminais de
ônibus. Os que passavam ficavam revoltados ao ver o mais velho apanhando, não
imaginavam o início daquela história.
Tudo começou na época em que Mirtes chegou
na cidade em busca de emprego, deixara o filho pequeno na cidade do interior
com a mãe e o irmão caçula. Veio com a recomendação feita num bilhete
manuscrito pela dona da farmácia, enviado para a irmã que morava na cidade
grande e precisava de uma doméstica. O endereço, anotado no mesmo papel da
apresentação, amassado e úmido do suor na mão aflita. Ao descer na rodoviária
sem saber para onde seguir teve a sorte de encontrar Ovídio, muito prestativo,
se ofereceu para ajudá-la, generoso, pagou um lanche apesar de sua recusa,
antes de pegarem o ônibus que os levaria ao endereço escrito no pedaço de
folha. Mirtes era uma jovem mulher, não chegara aos trinta anos,os cabelos
escuros trazia preso no alto da cabeça num “rabo de cavalo” divertido, vestia:
saia e blusa. Levava um casaquinho na mão, prevenida das baixas temperaturas da
primavera. Olhava diretamente nos olhos fugidios de Ovídio cada vez que ele
falava.
Começou a suspeitar de que estava indo
para um lugar bem diferente do descrito no endereço antes de desembarcar. O
bairro de ruas estreitas e prédios antigos, vários deles abandonados, não era
passagem para nenhum condomínio de casas luxuosas. Ao descer do ônibus quis
permanecer no ponto para pegar o próximo, desistiu, puxada com força pelo braço,
acompanhou Ovídio até o prédio quase abandonado. Ele apertou a campainha do
apartamento térreo. A porta foi aberta por uma mocinha, maquiada em excesso, estava
assim aquela hora da tarde, olhou para Mirtes com desdém, quando foi empurrada
para dentro do cubículo. O cômodo era limpo, mas destituído de conforto. Havia
um sofá, uma mesa com duas cadeiras. A cozinha e o banheiro eram reflexo dessa
escassez. Ele não poderia prendê-la para sempre – pensou Mirtes. Quando todos
fossem dormir ela fugiria.
Naquela noite teve que acompanhá-lo e para
isso colocou sua melhor roupa. Não reclamou, esperaria uma oportunidade. Foram
a um bar freqüentado por homens. Ambiente pouco iluminado, fumaça no ar, balcão
e mesas ensebados. Conheceu Jair, cabelos crespos e loiros, lábios finos,
dentes escondidos pelo sorriso. Deitou-se com ele e em troca recebeu dinheiro,
metade foi para Ovídio. E assim foram mais três homens naquela noite. De manhã
estava muito cansada para fugir. Com o tempo começou a mandar dinheiro para
casa dentro de cartas nas quais contava poucos detalhes de sua vida: não
aceitara o emprego, arranjara outro, no atual era quase autônoma. Conhecera um
homem. O seu trabalho foi descoberto por um conterrâneo interessado em conhecer
a zona do meretrício da cidade grande, a reconheceu e contou para uns e a
notícia se espalhou na sua cidadezinha.
Sávio viera para a capital procurar a irmã
e tirar satisfações, matar aquele cafetão se fosse necessário, perseguiu o homem
até a rua dos táxis, próxima a rodoviária. Não voltaria para casa de mãos
limpas.
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