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Pacotes mal embrulhados


Eram sete embaixo da marquise, dispostos em seqüência, da direita para a esquerda, dependendo da direção em que viesse o observador. Surgiram ali de um dia para outro, na rua lateral ao terminal dos ônibus. Havia harmonia entre a disposição deles e o cenário urbano, mas ninguém se dava ao trabalho de fazer qualquer comentário sobre a estética dos embrulhos. O vento do outono perpassava pelas frestas nas partes em que o invólucro não cobria o conteúdo imóvel. Eram quase todos do mesmo tamanho, frágeis, enrolados em texturas de vários matizes e era isto que os diferenciava. As cores mais fortes não os tornavam mais atraentes, talvez porque fossem sujos e exalassem mal cheiro. Eram invisíveis para a maioria, sumidos na paisagem, desconsiderados. Nos dias mais frios escasseavam nos lugares abertos, eram vistos nos abrigos da cidade: viadutos, pontes e prédios abandonados.Dentro dos pacotes havia seres, tinham vida própria, perambulavam pelas ruas a procura de alimentos, balbuciavam algumas palavras, talvez uma espécie de treino para não perder a habilidade da fala, e voltavam a dormir em seus casulos. Conscientes da finitude da vida. Não acreditavam em final feliz, sabiam que a história poderia acabar no meio da esperança. O ideal para todos seria que aquelas perversas instalações compostas pelo destino não surgissem cada vez mais em tantos lugares, a cada dia. Ninguém estava livre de acabar naquela condição, quem poderia garantir o contrário, de repente um desvio de caminho, falta de planejamento ou excesso de confiança na sorte. Em pouco tempo serão legiões que não se contentarão mais em ficar anestesiados dentro de invólucros desleixados.

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